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sábado, 22 de janeiro de 2011

A CLÍNICA DA DEPRESSÃO - MELANIE KLEIN

           Tomemos, como ponto de partida, o texto de Freud (1917 [1915]), “Luto e melancolia”, a fim de percorrer, em outros de seus textos, assim como nas contribuições de Lacan e de Melanie Klein, um caminho de delimitação de cada termo, em articulação com aspectos do caso clínico
apresentado.
           Então, tanto o luto quanto a melancolia, na maioria das vezes, são “reações” diante de uma perda significativa, que pode ser de um ideal ou mesmo de uma “abstração”, como afirmava Freud. Se o luto implica um trabalho de elaboração (Traüerarbeit) frente a uma perda significativa, não sendo, em princípio, patológico, na melancolia não há a possibilidade de simbolizar a perda, tratando-se de uma perda de natureza mais ideal.
           A melancolia se caracteriza por um desânimo profundamente penoso, cessação de interesse pelo mundo externo, perda da capacidade de amar, inibição de toda a produtividade, e uma
diminuição dos sentimentos de auto-estima – “sentimento de estima de si” – a ponto de encontrar expressão em se recriminar e em se degradar, culminando ainda numa expectativadelirante de punição. No luto, “a perturbação da estima de si” está ausente, assim como a expectativa delirante de punição.
         Da mesma forma, a perda que se apresenta no luto diz respeito a uma perda objetal, já na melancolia, a perda objetal transforma-se em uma perda relativa ao eu. Freud (1917[1915], p. 251) afirma que: “no luto, é o mundo que se torna pobre e vazio; na melancolia, é o próprio eu”.
         O paciente melancólico representa seu eu como sendo desprovido de valor, incapaz de qualquer realização e moralmente desprezível. Na melancolia, há uma identificação narcísica com o objeto, o que explicaria a tendência ao suicídio. Abordamos algumas semelhanças e diferenças entre a melancolia e a neurose obsessiva, tecendo considerações sobre a pulsão de morte, que se manifesta em ambas as estruturas, assumindo faces diferentes, a saber: pulsão de destruição na melancolia e pulsão de dominação na neurose obsessiva.
             Discutimos a relação entre depressão e melancolia a partir de autores  contemporâneos, como Urania Tourinho Peres e Antonio Quinet, uma vez que, ao longo da obra de Freud, esses termos aparecem muitas vezes empregados como sinônimos ou acoplados em uma única expressão, tais como ‘depressão melancólica’.
            Destacamos que, na época em que Freud viveu, não havia um discurso em torno da depressão, como constatamos atualmente em nossa cultura, seja porque as pessoas não viviam até os oitenta ou noventa anos como vivem hoje, seja porque a velhice em si não era uma questão na época.
            Enquanto o termo melancolia marcou presença no mundo grego, em Hipócrates e Aristóteles, e entre os autores clássicos da psiquiatria, em que havia uma concepção romântica da melancolia, não sendo vista como doença, mas como própria da natureza do ser; o termo depressão surge apenas mais tarde, com a psiquiatria alemã, sendo concebida como uma doença e até mesmo
como o “mal do século”. Na nosologia psiquiátrica atual, a melancolia de outrora cede lugar à depressão, diagnóstico que vem abarcando qualquer queixa de tristeza, na medida em que toda e qualquer tristeza toma ares de “depressão”, devendo ser devidamente tratada e, na melhor das
hipóteses, medicada.
                O ponto central aqui discutido é a  “covardia moral”, formulação de Lacan (1974, p.44), a partir de Espinosa, que exigiu que retomássemos a relação do sujeito com o próprio desejo, já que o sujeito deprimido cede de seu desejo, acovardando-se diante dele:
            A tristeza, por exemplo, é qualificada de depressão ao lhe conferir como suporte a alma; ou a tensão psicológica do filósofo Pierre Janet. Não se trata, porém, de um estado d’alma, é simplesmente uma falta moral, como se expressa Dante e até mesmo Espinosa: um pecado, o que quer dizer, covardia moral, que só se situa, em última instância, a partir do pensamento, ou seja, do dever de bem-dizer ou de orientar-se no inconsciente, na estrutura.
           É justamente quando o sujeito se acovarda frente ao seu desejo, dele abrindo mão, que surge a depressão. Podemos dizer que o sujeito fica inibido, furtando-se ao próprio desejo e, conseqüentemente, a sua determinação inconsciente. A depressão é, portanto, uma reação do eu, que, ‘inchado’, recusa aquilo que vem do inconsciente, não querendo saber daquilo que o determina.
            Alberti   (1989), em “Depressão: o que o afeto tem a ver com isso”, refere que Lacan foi criticado por desconsiderar a questão do afeto, o que se justifica pelo fato deste retomar o tema para explicar não apenas a depressão como a angústia. No Seminário 10, sobre a angústia, Lacan aborda a questão do afeto, partindo do campo da filosofia – de São Tomás a Espinosa. Destaca
dois tipos de afeto: a angústia e a depressão, correlacionando-a com a inibição, tratada por Freud (1926 [1925]) em “Inibições, sintomas e angústia”.
          No texto mencionado, Freud afirma que a palavra inibição é utilizada quando há uma redução da função, o que ele contrapõe ao sintoma que, na verdade, acrescenta uma nova manifestação da função. A inibição seria, ainda, a expressão da restrição de uma função do eu, através da qual
este evita entrar em conflito com o isso, ou seja, com algo que lhe escapa. Dessa forma, o eu empobrece funcionalmente, mantendo, no entanto, sua supremacia sobre o recalque. Na inibição, o sujeito se vê aterrorizado frente ao perigo que o antecipa – castração –, ficando ‘paralisado’ diante disso. Há uma tentativa de se antecipar frente ao perigo da castração.
            Para Freud (1926[1925], p. 94), portanto, a depressão é uma inibição generalizada, ou seja,
“limitações das funções do eu, fugas – por precaução ou por empobrecimento de energia”.
              Podemos, portanto, associar a depressão à inibição, já que tanto a depressão quanto a inibição são gerados pelo eu – reações do eu.
              Mas, de acordo com Alberti (2002, p.156), a depressão é um afeto que aparece no momento em que o eu evita a sua determinação inconsciente, razão pela qual Lacan (1974) afirma que adepressão é basicamente uma “covardia moral”. Ou ainda, como esclarece em Televisão:
a depressão é um afeto normal porque ele reenvia ao fato de estrutura de que nos furtamos de bem dizer nossa relação ao gozo - ao inverso do sintoma, novamente, que surge para dizê-la de
alguma forma.
              Podemos dizer que a depressão é um afeto que aparece no momento em que o sujeito evita sua própria determinação inconsciente, cede de seu desejo, abre mão dele, “não quer saber” daquilo que o determina.
             Na depressão, o eu para não correr o risco de se deparar com a castração, entristece – sendo a tristeza o afeto da depressão, qual seja, uma baixa de energia psíquica –, se deslibidiniza. Há uma perda da libido, que implica em perda de prazer, de investimento libidinal, marcado pela disjunção entre o sujeito e o prazer da libido.
              Segundo Colette Soler (apud Alberti, 2002, p.223): aquele que realmente assume esta inconsistência - ou seja, por que o sujeito precisa ficar doente para se dar conta da enorme verdade de sua inconsistência? -, como se assume a castração, o afeto decorrente não é o de tristeza, pois o encontro com a castração é um horror de tal ordem que não pode provocar como efeito senão o entusiasmo.
            Devemos considerar que lidar com a castração, com a falta, ao contrário de provocar tristeza deveria ter como efeito o entusiasmo, já que o desejo pode emergir. Sem falta, não há desejo possível, e, certamente, sem desejo, não há sujeito, na medida em que, para Lacan, o sujeito é o desejo, e mais especificamente desejo do Outro.
            Realizamos, ainda, uma breve incursão sobre a teoria da posição depressiva em Melanie Klein, associando o trabalho do luto a um processo que integra a constituição do sujeito, não sendo, portanto, patológico, e que influencia a maneira pela qual o sujeito poderá lidar com perdas
futuras. Para a autora, a posição depressiva seria, portanto, estruturante, como formadora da constituição do eu.
                Abordamos a relação existente entre o desejo, a falta e a lei, a partir do estudo do grafo dodesejo, conforme proposto por  Lacan nos Escritos e no Seminário 5 – As formações do
inconsciente, para discutirmos a relação entre o desejo e a demanda e, por fim, entre a depressão e o desejo, já que, na depressão, o sujeito cede de seu desejo e, conseqüentemente,
burla a falta.
              Se a depressão se instala justamente quando o sujeito abre mão de seu desejo, como afirma Lacan, perguntamo-nos o que a análise propõe ao sujeito que se diz “deprimido”?
             De acordo com Stella Jimenez (1999, p.202), o desejo constitui “a primeira e única riqueza do ser humano”. Ao operar pela via da palavra, a psicanálise propõe ao sujeito a ética de bem-dizer o seu desejo. A psicanálise, mais especialmente o discurso do analista, no qual o analista ocupa o lugar de objeto a, causa de desejo, poderia auxiliar o sujeito a resgatar seu desejo.
             Em oposição à ética defendida pela psicanálise, o discurso capitalista exclui o sujeito, ao tentar
renegar/foracluir a falta – o que é da ordem da impossibilidade. A depressão, então, aparece como um produto da cultura que, ao oferecer um verdadeiro arsenal de medicamentos antidepressivos, produz a oferta que cria uma demanda de sujeitos que se ‘encaixam’ nessa categoria, digamos assim.
             Ao mesmo tempo em que aparentemente acolhe o sujeito, que se agarra a tal significante – tomado aqui mais como signo – irá excluí-lo, já que a depressão contraria os ideais de produtividade e do capitalismo da nossa cultura. Ou seja, da mesma forma que há uma exclusão pela própria cultura, o sujeito sente-se incluído, protegido através desse signo – a depressão.
            Tal fato demonstra claramente como opera, de forma paradoxal, o discurso capitalista que “inclui
para excluir”, propiciando uma aparente proteção, deixando o sujeito desorientado em relação a sua riqueza maior – o seu desejo.
           Assim, o sujeito neurótico ‘histérico’, ficando deprimido, encontraria uma maneira de dizer ‘estou fora’ dessa cultura maníaca e onipotente, de dizer ‘eu não quero gozar assim’. Pode se ‘desculpabilizar’ por não ter que responder aos ideais de produtividade, podendo então, não trabalhar e dormir o dia todo. Na verdade, porém, a única maneira do sujeito não se sentir culpado serianão abrindo mão do seu desejo, já que toda a vez que o sujeito cede diante do desejo, a culpa
advém. Em outras palavras, sustentar o próprio desejo, tarefa essa já considerada difícil, tem se tornado quase que impossível na nossa cultura.
          De acordo com Alberti (2000, p. 46), o discurso do analista pode, no entanto, vir a ser a “única saída para a ausência de saída do discurso capitalista”, no sentido de subvertê-lo ao reinstaurar a falta e permitir que advenha o desejo. Mas, para que isso aconteça, o sujeito precisa ter coragem, em oposto à covardia do deprimido e pagar um preço por ser desejante.
          A psicanálise põe em cena o desejo, possibilitando ao sujeito redimensionar sua forma de lidar com a castração e assumir pagar o preço de sustentar a singularidade de seu desejo.
          Partindo do legado de Freud, Lacan considera a castração como o ponto a partir do qual a estrutura se organiza e toma o complexo de Édipo como um ‘operador da estrutura’. A castração passou a ser vista como uma lei e o falo como um significante – da falta. A lei à qual o
significante está submetido é a lei da castração simbólica, que instaura a falta estrutural, presente para cada sujeito a partir de sua entrada no mundo da linguagem.
         Podemos reconhecer que a depressão não é apenas um produto da cultura, que fabrica sujeitos que se encaixem sob esse signo, mas, essencialmente, uma maneira do sujeito evitar lidar com o desejo, não respondendo à demanda do Outro social – ‘Goze!’ Imerso no mundo da linguagem, o sujeito se depara com a falta, a todo instante, até mesmo sob a forma de uma depressão, quediz tudo sem nada dizer.
          Se a medicina tende a oferecer respostas quase que automáticas, na forma de tentar medicar o mal-estar e a ‘dor de existir’ que devem ser eliminados a qualquer custo – como se isso fosse possível –, a psicanálise convida o sujeito a falar, fazendo vigorar a falta. É interessante observarmos que, apesar do avanço da terapêutica antidepressiva, o sujeito continua buscando um acolhimento diverso da medicalização, que a psicanálise pode oferecer.
          Acreditamos que a psicanálise ocupa, na atualidade, um lugar ímpar: acena com o caminho do
desejo como o melhor remédio para tratar da angústia que é inerente ao ser humano. Pois, como já nos dizia Lacan (1962-63, p.115), “o melhor remédio para a angústia é o desejo”.
         Considerando que a depressão é o oposto do desejo. Enquanto sujeito deprimido cede de seu desejo, a psicanálise começa por ajudá-lo a sair desse estado de ‘letargia’, efeito de evitar a falta. Certamente, não há como falarmos em desejo sem considerar a falta, a angústia, enfim, o mal-estar, sempre presente para o ser falante, que, ao falar, reencontra continuamente a falta.
        A articulação entre depressão e desejo, que buscamos trabalhar na dissertação, é uma questão que exige a atenção do psicanalista, seja pela atualidade do tema, seja pela discussão sobre o que esta pode revelar acerca do lugar do analista em sua função de instigar o desejo, função esta que consideramos não apenas fundamental, mas única na nossa cultura.

Referências Bibliográficas
ALBERTI, S. Depressão: o que o afeto tem a ver com isso? In: Atas das Jornadas Clínicas para o
Corte Freudiano, dezembro de 1989, p. 102-9.
_____; ELIA, L. (org.). Clínica e pesquisa em psicanálise. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos,
2000.
_____“Os quadros nosológicos: depressão, melancolia e neurose obsessiva” In: Extravios do
desejo: depressão e melancolia. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2002. p. 217-227.
FREUD, S. Obras Completas. Buenos Aires: Amorrortu, 1982.
_____“A sexualidade na etiologia das neuroses” [1898], ESB, v.III
_____“Sobre a psicoterapia” (1905 [1904]), ESB, v. VII.
_____“Nossa atitude para com a morte”[1915], ESB, v. XIV.
_____“Sobre a transitoriedade” (1916[1915]), ESB, v. XIV.
_____“Luto e melancolia” (1917 [1915]). ESB, v. XIV.
_____ “Inibições, sintomas e angústia” (1926 [1925]). ESB, v. XX.