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quarta-feira, 20 de abril de 2011

O CÉREBRO E AS DROGAS


                                                                                           A modulação dos sinais
Ao serem transmitidas, as mensagens podem ser modificadas no processo de passagem de um neurônio para outro, e é justamente aí que reside a grande flexibilidade funcional do Sistema Nervoso.
Fateffir
Os elementos químicos usados para essa finalidade chamam-se neurotransmissores, e são sintetizados pelo organismo. Para cada neurotransmissor de um neurônio A existe um receptor no neurônio B que é ativado por ele no momento da neurotransmissão, num contato especial que podemos imaginar como o da chave na fechadura, dada a sua especificidade. Esse receptor, uma vez ativado, incumbe-se do prosseguimento da mensagem no neurônio B e portanto ele apresenta o mesmo grau de importância e responsabilidade que o neurotransmissor no fenômeno da neurotransmissão, e forma com ele um complexo estratégico que pode abrir as guardas para um agente estranho que possa simular a sua própria química, uma verdadeira chave falsa como é o caso das drogas, que veremos no decorrer destas leituras.
São os neurotransmissores que transmitem as ordens de serviço dos nervos para os músculos, vísceras, etc., e também são eles que estabelecem a comunicação entre as várias áreas do SNC. É é ai que eles são modulados proporcionando a flexibilidade que estabelece o rumo de um pensamento, uma afetividade especial ou um maior ou menor grau de sensibilidade frente a um estímulo.
Fateffir
Quando o neurotransmissor já está pronto para entrar em ação, ainda no interior da parte sinática do neurônio A, ele recebe a ordem de partida dada pelos íons cálcio (cujo canal é aberto pelo impulso elétrico), e é liberado para a fenda. Ele atravessa a fenda, dá o seu recado no receptor do neurônio B e volta para a sua célula para ser reciclado antes de nova transmissão.
Em condições normais ele não é re-utilizado sem a devida reciclagem em seu neurônio de origem. Alguns neurotransmissores nem voltam, são desnaturados na fenda ou imediações, ou podem se difundir pelo plasma sangüíneo. O fato é que eles devem ser usados por uma só vez, mas existem procedimentos terapêuticos onde certos neurotransmissores são impedidos do seu retorno para ficarem atuando por mais tempo na fenda. É o caso dos anti-depressivos com relação à serotonina ou alguns outros neurotransmissores como a norepinefrina, e também é o caso da ação de algumas drogas ilícitas como a cocaina, que bloqueia o retorno de um neurotransmissor (DOPA) para reciclagem, concentrando-o na fenda. onde ele continua a agir sobre os seus receptores.
Os neurotransmissores relacionados
Como dissemos anteriormente, os neurotransmissores são sintetizados pelo organismo, mas, como produtos químicos, podem possuir competidores que possuam algumas semelhanças estruturais, suficientes para assumir o seu papel na neurotransmissão, alterando artificialmente essa função. Esse é o caso das drogas psicoativas.
Algumas drogas imitam os neurotransmissores naturais, interagindo com os seus receptores. É o caso da morfina, por exemplo, que se liga aos receptores das endorfinas; da nicotina, que se liga aos receptores da acetilcolina.
Outras drogas aumentam os níveis de neurotransmissores na sinapse, como a cocaina, que aumenta os níveis de dopamina e do Ecstasy, que aumenta os níveis de serotonina na sinapse.
Outras drogas bloqueiam os neurotransmissores, como por exemplo, o álcool inibindo o NMDA, receptor do glutamato, além de imitar os benzodiazepínicos nos receptores do GABA, como veremos.
DOPA ou Dopamina-(Dioxifenilalanina). Nós já vimos que o sistema límbico também pode ser chamado de sistema dopamínico, e isto porque o neurotransmissor dopamina é o mais usado para a comunicação dos neurônios dessa área do encéfalo, que inclui o circuito de recompensa.
A dopamina é responsável por uma série de fenômenos comportamentais e motores (conforme a área do SNC onde está atuando), mas para nós é relevante o conhecimento da sua ligação com o prazer, proporcionando a sensação de euforia; a motivação, a iniciativa.
A dopamina possui dois principais receptores: D1 e D2. Convém lembrar que os medicamentos antipsicóticos agem como antagonistas nesses receptores. Isto quer dizer que a atividade dopamínica incrementa as manifestações psicóticas (quando há predisposição da pessoa).
GABA- É o ácido gama-amino-butírico, neurotransmissor de ação refreadora, inibitória, atenuando os efeitos da excitação quando gerada de forma inconveniente por outros neurotransmissores.
É usado por cerca de 40% dos neurônios do SNC e além do mais, todos os neurônios centrais são sensíveis à sua ação.
O seu principal receptor é o GABAA que tem uma relação íntima com os canais de cloro, promovendo a sua abertura quando ativado. Como já vimos, a entrada de cloro no neurônio faz diminuir o ritmo de pulsação do seu potencial de ação, o seu potencial elétrico, tornando o funcionamento celular mais lento.
Os receptores GABAA são também sensíveis aos benzodiazepínicos, os quais potencializam o efeito inibidor do GABA. Os receptores das benzodiazepinas, aliás, situam-se junto aos receptores GABAA.
Glutamato- É o principal neurotransmissor excitatório do SNC. Sua área de atuação concentra-se nas conexões entre a amídala, o córtex pré-frontal, o hipocampo e mais algumas outras estruturas situadas no diencéfalo.
O glutamato age de forma rápida, qualidade essencial para a transmissão de sinais nas regiões onde atua.
Os receptores do glutamato funcionam como mediadores iônicos (como o GABAA é para o cloro) para o cálcio, magnésio e zinco, de forma a resultar um aumento significativo da excitabilidade celular.
O mais estudado dentre os receptores para o glutamato é o NMDA, alvo de grande interesse entre os pesquisadores em Dependência Química.
Serotonina ou 5HT- É um neurotransmissor intimamente relacionado ao humor e à afetividade. A maioria dos medicamentos chamados antidepressivos age aumentando a sua disponibilidade na fenda sinática.
A serotonina é encontrada em praticamente todas as fibras nervosas do SNC, porém os corpos celulares de sua origem restringem-se ao tronco encefálico nos núcleos de rafe.
A serotonina apresenta um efeito modulador geral da atividade psíquica influindo em quase todas as funções cerebrais, inibindo-as de forma direta ou indireta, através de estímulo do sistema GABA.
É dessa forma que a serotonina, ou 5HT, regula o humor e o sono, a percepção da dor, a atividade sexual, as funções cognitivas, além de inúmeras outras funções fisiológicas como a temperatura corporal e atividades hormonais. Os seus receptores principais denominam-se 5HT1 e 5HT2.
Acetilcolina- Este neurotransmissor apresenta papel relevante em várias funções do SNC como a memória, por sua atuação no hipocampo e outras áreas de função cognitiva, e do sistema nervoso periférico, como a movimentação neuromuscular. Após o seu uso a acetilcolina é desativada ainda na fenda, através da atuação da enzima acetilcolinesterase. Existem dois tipos de receptores para a acetilcolina: os nicotínicos e os muscarínicos. Os receptores nicotínicos unem-se aos canais iônicos, são de natureza excitatória e são estimulados pela nicotina, entre outros. Já os receptores muscarínicos são de natureza inibitória.
Noradrenalina- As vias noradrenérgicas centrais são originárias de uma formação nervosachamada locus coeruleus no tronco encefálico e seguem para extensa área do SNC através de uma abundante ramificação.
Os seus receptores são divididos em duas classes, receptores a e receptores ß.
A noradrenalina (também chamada norepinefrina) tem uma grande variedade de funções, mas sobressai o seu papel em realizar a integração das várias regiões do encéfalo em resposta aos impactos estressores externos que atingem o indivíduo, bem como restaurar o equilíbrio após essas agressões.
Uma das mais importantes funções fisiológicas da noradrenalina é o controle da pressão sanguínea e uma das mais importantes funções da noradrenalina na esfera psíquica é a sua atuação no hipocampo quanto ao controle dos estados afetivos em ação paralela à serotonina.
A noradrenalina também participa nos processos de sedação e analgesia por ativação dos receptores chamados a2.
B-Endorfinas- Pertencem ao grupo dos opiácios endógenos, junto às encefalinas.
No SNC as endorfinas concentram-se em algumas áreas do diencéfalo e mesencéfalo, como no nucleus accumbens, acreditando-se que sejam liberadas pela hipófise por serem encontradas nesse local em maiores quantidades. Desempenham um papel importante na regulação da dor.
As B-endorfinas podem entrar em circulação, podendo ser consideradas neuro-hormônios. Apresentam propriedades analgésicas, ao lado de um efeito colateral hipertensivo. A analgesia por meio da acupuntura parece ser mediada por estas substâncias.
Os receptores das endorfinas são os receptores dos opiácios, e os principais denominam-se receptores mu, descobertos antes mesmo de serem descobertas as endorfinas.
As B-endorfinas, assim como a acetilcolina, são desativadas imediatamente após o seu uso, por ação enzimática.
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Interatividade- A dopamina, por si só, é o neurotransmissor relacionado ao prazer, mas este neurotransmissor também desenvolve atividades em conjunto com a serotonina e a noradrenalina, relacionadas da seguinte forma:
Dopamina + serotonina + noradrenalina: Funções cognitivas. Humor. Emoções.
Dopamina + serotonina: Apetite, sexo, agressividade.
Dopamina + noradrenalina: Motivação.
A associação da serotonina com a noradrenalina, sem a dopamina, relaciona-se com a ansiedade e irritabilidade.



TRABALHO DE CUNHO CIENTÍFICO E INFORMATIVO.

PAULA GRAVE LIMA

sábado, 22 de janeiro de 2011

A CLÍNICA DA DEPRESSÃO - MELANIE KLEIN

           Tomemos, como ponto de partida, o texto de Freud (1917 [1915]), “Luto e melancolia”, a fim de percorrer, em outros de seus textos, assim como nas contribuições de Lacan e de Melanie Klein, um caminho de delimitação de cada termo, em articulação com aspectos do caso clínico
apresentado.
           Então, tanto o luto quanto a melancolia, na maioria das vezes, são “reações” diante de uma perda significativa, que pode ser de um ideal ou mesmo de uma “abstração”, como afirmava Freud. Se o luto implica um trabalho de elaboração (Traüerarbeit) frente a uma perda significativa, não sendo, em princípio, patológico, na melancolia não há a possibilidade de simbolizar a perda, tratando-se de uma perda de natureza mais ideal.
           A melancolia se caracteriza por um desânimo profundamente penoso, cessação de interesse pelo mundo externo, perda da capacidade de amar, inibição de toda a produtividade, e uma
diminuição dos sentimentos de auto-estima – “sentimento de estima de si” – a ponto de encontrar expressão em se recriminar e em se degradar, culminando ainda numa expectativadelirante de punição. No luto, “a perturbação da estima de si” está ausente, assim como a expectativa delirante de punição.
         Da mesma forma, a perda que se apresenta no luto diz respeito a uma perda objetal, já na melancolia, a perda objetal transforma-se em uma perda relativa ao eu. Freud (1917[1915], p. 251) afirma que: “no luto, é o mundo que se torna pobre e vazio; na melancolia, é o próprio eu”.
         O paciente melancólico representa seu eu como sendo desprovido de valor, incapaz de qualquer realização e moralmente desprezível. Na melancolia, há uma identificação narcísica com o objeto, o que explicaria a tendência ao suicídio. Abordamos algumas semelhanças e diferenças entre a melancolia e a neurose obsessiva, tecendo considerações sobre a pulsão de morte, que se manifesta em ambas as estruturas, assumindo faces diferentes, a saber: pulsão de destruição na melancolia e pulsão de dominação na neurose obsessiva.
             Discutimos a relação entre depressão e melancolia a partir de autores  contemporâneos, como Urania Tourinho Peres e Antonio Quinet, uma vez que, ao longo da obra de Freud, esses termos aparecem muitas vezes empregados como sinônimos ou acoplados em uma única expressão, tais como ‘depressão melancólica’.
            Destacamos que, na época em que Freud viveu, não havia um discurso em torno da depressão, como constatamos atualmente em nossa cultura, seja porque as pessoas não viviam até os oitenta ou noventa anos como vivem hoje, seja porque a velhice em si não era uma questão na época.
            Enquanto o termo melancolia marcou presença no mundo grego, em Hipócrates e Aristóteles, e entre os autores clássicos da psiquiatria, em que havia uma concepção romântica da melancolia, não sendo vista como doença, mas como própria da natureza do ser; o termo depressão surge apenas mais tarde, com a psiquiatria alemã, sendo concebida como uma doença e até mesmo
como o “mal do século”. Na nosologia psiquiátrica atual, a melancolia de outrora cede lugar à depressão, diagnóstico que vem abarcando qualquer queixa de tristeza, na medida em que toda e qualquer tristeza toma ares de “depressão”, devendo ser devidamente tratada e, na melhor das
hipóteses, medicada.
                O ponto central aqui discutido é a  “covardia moral”, formulação de Lacan (1974, p.44), a partir de Espinosa, que exigiu que retomássemos a relação do sujeito com o próprio desejo, já que o sujeito deprimido cede de seu desejo, acovardando-se diante dele:
            A tristeza, por exemplo, é qualificada de depressão ao lhe conferir como suporte a alma; ou a tensão psicológica do filósofo Pierre Janet. Não se trata, porém, de um estado d’alma, é simplesmente uma falta moral, como se expressa Dante e até mesmo Espinosa: um pecado, o que quer dizer, covardia moral, que só se situa, em última instância, a partir do pensamento, ou seja, do dever de bem-dizer ou de orientar-se no inconsciente, na estrutura.
           É justamente quando o sujeito se acovarda frente ao seu desejo, dele abrindo mão, que surge a depressão. Podemos dizer que o sujeito fica inibido, furtando-se ao próprio desejo e, conseqüentemente, a sua determinação inconsciente. A depressão é, portanto, uma reação do eu, que, ‘inchado’, recusa aquilo que vem do inconsciente, não querendo saber daquilo que o determina.
            Alberti   (1989), em “Depressão: o que o afeto tem a ver com isso”, refere que Lacan foi criticado por desconsiderar a questão do afeto, o que se justifica pelo fato deste retomar o tema para explicar não apenas a depressão como a angústia. No Seminário 10, sobre a angústia, Lacan aborda a questão do afeto, partindo do campo da filosofia – de São Tomás a Espinosa. Destaca
dois tipos de afeto: a angústia e a depressão, correlacionando-a com a inibição, tratada por Freud (1926 [1925]) em “Inibições, sintomas e angústia”.
          No texto mencionado, Freud afirma que a palavra inibição é utilizada quando há uma redução da função, o que ele contrapõe ao sintoma que, na verdade, acrescenta uma nova manifestação da função. A inibição seria, ainda, a expressão da restrição de uma função do eu, através da qual
este evita entrar em conflito com o isso, ou seja, com algo que lhe escapa. Dessa forma, o eu empobrece funcionalmente, mantendo, no entanto, sua supremacia sobre o recalque. Na inibição, o sujeito se vê aterrorizado frente ao perigo que o antecipa – castração –, ficando ‘paralisado’ diante disso. Há uma tentativa de se antecipar frente ao perigo da castração.
            Para Freud (1926[1925], p. 94), portanto, a depressão é uma inibição generalizada, ou seja,
“limitações das funções do eu, fugas – por precaução ou por empobrecimento de energia”.
              Podemos, portanto, associar a depressão à inibição, já que tanto a depressão quanto a inibição são gerados pelo eu – reações do eu.
              Mas, de acordo com Alberti (2002, p.156), a depressão é um afeto que aparece no momento em que o eu evita a sua determinação inconsciente, razão pela qual Lacan (1974) afirma que adepressão é basicamente uma “covardia moral”. Ou ainda, como esclarece em Televisão:
a depressão é um afeto normal porque ele reenvia ao fato de estrutura de que nos furtamos de bem dizer nossa relação ao gozo - ao inverso do sintoma, novamente, que surge para dizê-la de
alguma forma.
              Podemos dizer que a depressão é um afeto que aparece no momento em que o sujeito evita sua própria determinação inconsciente, cede de seu desejo, abre mão dele, “não quer saber” daquilo que o determina.
             Na depressão, o eu para não correr o risco de se deparar com a castração, entristece – sendo a tristeza o afeto da depressão, qual seja, uma baixa de energia psíquica –, se deslibidiniza. Há uma perda da libido, que implica em perda de prazer, de investimento libidinal, marcado pela disjunção entre o sujeito e o prazer da libido.
              Segundo Colette Soler (apud Alberti, 2002, p.223): aquele que realmente assume esta inconsistência - ou seja, por que o sujeito precisa ficar doente para se dar conta da enorme verdade de sua inconsistência? -, como se assume a castração, o afeto decorrente não é o de tristeza, pois o encontro com a castração é um horror de tal ordem que não pode provocar como efeito senão o entusiasmo.
            Devemos considerar que lidar com a castração, com a falta, ao contrário de provocar tristeza deveria ter como efeito o entusiasmo, já que o desejo pode emergir. Sem falta, não há desejo possível, e, certamente, sem desejo, não há sujeito, na medida em que, para Lacan, o sujeito é o desejo, e mais especificamente desejo do Outro.
            Realizamos, ainda, uma breve incursão sobre a teoria da posição depressiva em Melanie Klein, associando o trabalho do luto a um processo que integra a constituição do sujeito, não sendo, portanto, patológico, e que influencia a maneira pela qual o sujeito poderá lidar com perdas
futuras. Para a autora, a posição depressiva seria, portanto, estruturante, como formadora da constituição do eu.
                Abordamos a relação existente entre o desejo, a falta e a lei, a partir do estudo do grafo dodesejo, conforme proposto por  Lacan nos Escritos e no Seminário 5 – As formações do
inconsciente, para discutirmos a relação entre o desejo e a demanda e, por fim, entre a depressão e o desejo, já que, na depressão, o sujeito cede de seu desejo e, conseqüentemente,
burla a falta.
              Se a depressão se instala justamente quando o sujeito abre mão de seu desejo, como afirma Lacan, perguntamo-nos o que a análise propõe ao sujeito que se diz “deprimido”?
             De acordo com Stella Jimenez (1999, p.202), o desejo constitui “a primeira e única riqueza do ser humano”. Ao operar pela via da palavra, a psicanálise propõe ao sujeito a ética de bem-dizer o seu desejo. A psicanálise, mais especialmente o discurso do analista, no qual o analista ocupa o lugar de objeto a, causa de desejo, poderia auxiliar o sujeito a resgatar seu desejo.
             Em oposição à ética defendida pela psicanálise, o discurso capitalista exclui o sujeito, ao tentar
renegar/foracluir a falta – o que é da ordem da impossibilidade. A depressão, então, aparece como um produto da cultura que, ao oferecer um verdadeiro arsenal de medicamentos antidepressivos, produz a oferta que cria uma demanda de sujeitos que se ‘encaixam’ nessa categoria, digamos assim.
             Ao mesmo tempo em que aparentemente acolhe o sujeito, que se agarra a tal significante – tomado aqui mais como signo – irá excluí-lo, já que a depressão contraria os ideais de produtividade e do capitalismo da nossa cultura. Ou seja, da mesma forma que há uma exclusão pela própria cultura, o sujeito sente-se incluído, protegido através desse signo – a depressão.
            Tal fato demonstra claramente como opera, de forma paradoxal, o discurso capitalista que “inclui
para excluir”, propiciando uma aparente proteção, deixando o sujeito desorientado em relação a sua riqueza maior – o seu desejo.
           Assim, o sujeito neurótico ‘histérico’, ficando deprimido, encontraria uma maneira de dizer ‘estou fora’ dessa cultura maníaca e onipotente, de dizer ‘eu não quero gozar assim’. Pode se ‘desculpabilizar’ por não ter que responder aos ideais de produtividade, podendo então, não trabalhar e dormir o dia todo. Na verdade, porém, a única maneira do sujeito não se sentir culpado serianão abrindo mão do seu desejo, já que toda a vez que o sujeito cede diante do desejo, a culpa
advém. Em outras palavras, sustentar o próprio desejo, tarefa essa já considerada difícil, tem se tornado quase que impossível na nossa cultura.
          De acordo com Alberti (2000, p. 46), o discurso do analista pode, no entanto, vir a ser a “única saída para a ausência de saída do discurso capitalista”, no sentido de subvertê-lo ao reinstaurar a falta e permitir que advenha o desejo. Mas, para que isso aconteça, o sujeito precisa ter coragem, em oposto à covardia do deprimido e pagar um preço por ser desejante.
          A psicanálise põe em cena o desejo, possibilitando ao sujeito redimensionar sua forma de lidar com a castração e assumir pagar o preço de sustentar a singularidade de seu desejo.
          Partindo do legado de Freud, Lacan considera a castração como o ponto a partir do qual a estrutura se organiza e toma o complexo de Édipo como um ‘operador da estrutura’. A castração passou a ser vista como uma lei e o falo como um significante – da falta. A lei à qual o
significante está submetido é a lei da castração simbólica, que instaura a falta estrutural, presente para cada sujeito a partir de sua entrada no mundo da linguagem.
         Podemos reconhecer que a depressão não é apenas um produto da cultura, que fabrica sujeitos que se encaixem sob esse signo, mas, essencialmente, uma maneira do sujeito evitar lidar com o desejo, não respondendo à demanda do Outro social – ‘Goze!’ Imerso no mundo da linguagem, o sujeito se depara com a falta, a todo instante, até mesmo sob a forma de uma depressão, quediz tudo sem nada dizer.
          Se a medicina tende a oferecer respostas quase que automáticas, na forma de tentar medicar o mal-estar e a ‘dor de existir’ que devem ser eliminados a qualquer custo – como se isso fosse possível –, a psicanálise convida o sujeito a falar, fazendo vigorar a falta. É interessante observarmos que, apesar do avanço da terapêutica antidepressiva, o sujeito continua buscando um acolhimento diverso da medicalização, que a psicanálise pode oferecer.
          Acreditamos que a psicanálise ocupa, na atualidade, um lugar ímpar: acena com o caminho do
desejo como o melhor remédio para tratar da angústia que é inerente ao ser humano. Pois, como já nos dizia Lacan (1962-63, p.115), “o melhor remédio para a angústia é o desejo”.
         Considerando que a depressão é o oposto do desejo. Enquanto sujeito deprimido cede de seu desejo, a psicanálise começa por ajudá-lo a sair desse estado de ‘letargia’, efeito de evitar a falta. Certamente, não há como falarmos em desejo sem considerar a falta, a angústia, enfim, o mal-estar, sempre presente para o ser falante, que, ao falar, reencontra continuamente a falta.
        A articulação entre depressão e desejo, que buscamos trabalhar na dissertação, é uma questão que exige a atenção do psicanalista, seja pela atualidade do tema, seja pela discussão sobre o que esta pode revelar acerca do lugar do analista em sua função de instigar o desejo, função esta que consideramos não apenas fundamental, mas única na nossa cultura.

Referências Bibliográficas
ALBERTI, S. Depressão: o que o afeto tem a ver com isso? In: Atas das Jornadas Clínicas para o
Corte Freudiano, dezembro de 1989, p. 102-9.
_____; ELIA, L. (org.). Clínica e pesquisa em psicanálise. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos,
2000.
_____“Os quadros nosológicos: depressão, melancolia e neurose obsessiva” In: Extravios do
desejo: depressão e melancolia. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2002. p. 217-227.
FREUD, S. Obras Completas. Buenos Aires: Amorrortu, 1982.
_____“A sexualidade na etiologia das neuroses” [1898], ESB, v.III
_____“Sobre a psicoterapia” (1905 [1904]), ESB, v. VII.
_____“Nossa atitude para com a morte”[1915], ESB, v. XIV.
_____“Sobre a transitoriedade” (1916[1915]), ESB, v. XIV.
_____“Luto e melancolia” (1917 [1915]). ESB, v. XIV.
_____ “Inibições, sintomas e angústia” (1926 [1925]). ESB, v. XX.